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Que Metamorfose Nos Espera?

Metamorfose, do dicionário, mudança completa de forma, natureza ou estrutura; transformação. Há quem diga que não muda, de jeito nenhum. Acho difícil... Mudamos constantemente, embora, às vezes, nem percebamos. O processo se denuncia num descontentamento inespecífico, um incômodo sutil. Aquilo que antes nos parecia importante, não é mais. Algo já mudou em nós.

Gosto de imaginar que Gregor, o personagem de Kafka em A Metamorfose, já estava em processo de mudança, mas preferiu ignorá-la até que se transformou num “inseto monstruoso”, como ele próprio se descreve. Ao acordar, certo dia, para ir ao trabalho de que não gostava, mas se sentia obrigado para saldar as dívidas paternas e sustentar os pais e a jovem irmã, ele se descobre um animal. Interessante que sua nova forma o incomodou menos do que a perspectiva de chegar atrasado ao emprego e ser repreendido pelo chefe. Sua atenção estava concentrada na manutenção de uma situação ruim a que se sentia preso.

Com seu novo aspecto, precisando permanecer fechado em casa, sente até conforto por se ver livre das suas atribuições, Porém, excluído pelos seus, sofre com o insulamento e a incompreensão. Gregor-inseto acaba descobrindo que a sua família, quando necessitou providenciar seu próprio sustento, saiu-se muito bem, o pai rejuvenesceu, a jovem irmã amadureceu e floresceu e a mãe lidou bem com a necessidade de ajudar com as contas costurando para fora.

Como no livro, muitas vezes nos falta a clareza e a coragem de olhar para dentro e reconhecer a mudança que grita em nós pedindo consumação. Confundimos paciência, resignação e responsabilidade com acomodação. Mesmo quando o momento e a situação não permitem alterações de atividades e atitudes, é possível estudá-las, programá-las e preparar o terreno para que sejam futuramente implantadas. Por outro lado, tendemos a subestimar a capacidade dos outros e a sua autonomia, consideramos que somos imprescindíveis, nos dispondo a carregar fardos que não são nossos. Não faço apologia à falta de caridade e consideração, mas ressalto a importância do dever que cada um tem consigo mesmo, sua própria realização e felicidade.

São muitas as possibilidades de leitura e de interpretação de A Metamorfose, e esse pequeno comentário que faço não tem pretensão alguma, apenas uma reflexão que a obra me propiciou. Sugiro a leitura, é atual, mesmo publicada há mais de cem anos, é ágil e breve. Uma reflexão oportuna nesses tempos em que a situação de pandemia convida à autoavaliação e sinaliza mudanças nas relações de trabalho e convivência. Que metamorfose que nos espera? Cada um responda por si.


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