Recentemente assisti um filme sobre a escritora britânica Mary Shelley, autora do icônico Frankenstein. Embora eu tivesse um exemplar desse clássico do terror perdido no fundo da estante há anos, nunca tinha tido vontade de ler. Achava que era apenas uma história para provocar medo, e esses eu já tenho os meus próprios, obrigada. Entretanto, no filme - não sei se é literal ou não à biografia da inglesa - há referência sobre os sofrimentos do monstro serem os nossos próprios e aí a curiosidade bateu.
Não vou contar detalhes para não entregar a história, apenas alguns fatos para chegar onde quero. O jovem e brilhante cientista Dr. Frankenstein descobre uma forma de trazer vida a um ser feito de pedaços de cadáveres humanos. Admito que ao escrever essa última frase ela me pareceu extremamente bizarra e de mau gosto, mas não se assustem, a maestria da jovem autora – Mary tinha apenas dezoito anos quando escreveu a obra que a imortalizaria, com o perdão do trocadilho – bem, a verve de Shelley fez com que soasse muito mais elegante e plausível.
Fato é que Dr. Frankenstein, inebriado com a possibilidade de se tornar um Criador e ser reverenciado por suas Criaturas, trabalha febrilmente até completar a sua obra, para contemplá-la e se horrorizar com o que tinha feito – um ser abominável – e fugir. A Criatura, sentindo-se repelida e só, se enche de ressentimentos para com o seu criador e para com todas as pessoas de quem tenta se aproximar e é furiosamente rechaçado. Ele é um ser abjeto, ninguém lhe dá oportunidade de mostrar a bondade de que é capaz. Transtornado pela rejeição, intoxicado pela injustiça - ele afinal não pediu para ser feito - e pelo abandono, mata aqueles a quem seu leviano criador devotava afeição, fechando o ciclo de ódio e revolta.
Mais humano impossível, não é mesmo? Vaidade de produzir, a qualquer preço, algo impressionante pelo que ser ovacionado, de um lado, e irresponsabilidade por aquilo que se cria, de outro. Ainda, acreditar que a injúria sofrida justifica toda a sorte de transgressões, não apenas da lei, como na história, mas transgressão da ética, transgressão da sensata recomendação de fazer ao outro apenas aquilo que desejaríamos nos fizessem.
O que teria acontecido com os personagens de Shelley se o cientista tivesse mostrado humildade pelo seu erro e responsabilidade pelo ser que trouxe à vida? E se a criatura de aparência repugnante tivesse recebido a compaixão, a compreensão e o afeto que ansiava? Ou fosse capaz de perdoar aquele que lhe fez um monstro e se decidisse simplesmente a aproveitar as belezas da natureza na qual passou a viver, mesmo no ostracismo?
Certamente não teríamos essa grande história para falar e a literatura teria perdido um grande clássico, mas com certeza a sucessão de equívocos dolorosos que norteiam a trajetória daqueles protagonistas teria sido interrompida. Fica a sugestão de leitura e reflexão. Fica também o meu exemplar de Frankenstein num local mais destacado e digno na estante.
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